Max
Gabriel Penha
aluno do curso de Jornalismo da UNIFAP
O Baile
de Máscaras é uma atração à parte para quem prestigia a Festa de São Tiago, em
Mazagão Velho, seja como visitante ou como jornalista, pesquisador ou coisa que
o valha. Trata-se de um ritual, que acontece na noite de 24 de julho, parte de
uma tradição no enredo da festa do Santo, que reconta, através de teatro a céu
aberto, a guerra entre mouros e cristãos na África, no século 18.
O baile,
que acontece no barraco, é a representação cênica de uma comemoração feita
pelos mouros, que na véspera haviam oferecido comida envenenada aos cristãos –
essa “Entrega dos Presentes” também é encenada na tarde de 24 de julho. E,
usando máscaras, os soldados cristãos poderiam mudar de lado, sem serem
reconhecido por seus oficiais. Mas, foram à festa para servir a comida com
veneno aos inimigos. Uma tradição reproduzida há mais de dois séculos e três
décadas. É impossível não se contagiar com o clima do baile, ainda mais quando
se acompanha seus bastidores.
A casa do fabricante das
“caraças”
Minha
missão era mostrar todo esse episódio da Festa de São Tiago. A primeira parada,
acompanhado do repórter-fotográfico Amilton Matsunaga, na tarde do dia 24, foi
na casa do seu Elisardo Silveira, conhecido fabricante de máscaras
tradicionais, feitas à base de papel (jorna velho) e goma, as chamadas
“caraças”. “Olha, no meu tempo, no tempo do meu pai, dos meus avós, sempre foi
assim. Não tinha máscaras de borracha, essas industrializadas. É uma tradição
que não pode morrer”, defendeu, ao falar da fabricação das máscaras para aquela
noite.
“Mais
tarde, farei a distribuição e os rapazes vão para o Baile de Máscaras, que vai
até de manhã”, explica ainda seu Elisardo. O repórter-fotográfico Amilton
Matsunaga faz a primeira pergunta parecendo adivinhar o que aconteceria mais
tarde: “Só os rapazes, e as mulheres, não ganham máscaras?”, perguntou o Japa.
“Não podem nem entrar no baile. Na época, as mulheres não iam para a guerra”,
retrucou o mazaganense, com cara de quem pensa: “Esse porra vem para cá e nem
procura se informar das coisas...”. Mal sabia eu o quanto isso iria atiçar a
curiosidade do nipônico.
Enfim, a malhação de Judas
Vendo
que a pergunta desconcertante que meu companheiro havia causado
constrangimento, fiz uma despedida forçada e saímos à francesa. Fomos direto à
residência do Raimundo Conceição, o “Cônsul”. É lá que é fabricado o Judas, um
boneco em tamanho natural, que representa, enfim, a malhação de Judas, que não
é feita no Sábado de Aleluia, como acontece tradicionalmente.
“Olha
só, nosso repórter das coisas de Mazagão, enfim, veio acompanhar a fabricação
do boneco. Nem acredito. Vai lá, no quintal, que está tudo lá, e leva teu
companheiro. Se quiser molhar a palavra, tem uma variedade lá, mas não vá se
estragar para mais tarde”, disse o anfitrião. O Matsunaga, meu fotógrafo, puxa
meu braço e me pergunta: “Que porra é ‘molhar a palavra’?”. Expliquei para ele
que em Mazagão Velho, há alguns termos para ingerir bebida alcoólica, como
“molhar a palavra”, “sangrar o galo”, “dar uma chamada”, “acender a lamparina”,
“alertar as ideias”, “puxar uma rama...”.
No fundo
do quintal, um grupo se esmerava para finalizar o boneco. À noite, esse mesmo
pessoal vai se revezar para carregar a “obra de arte” no barraco, durante o
Baile de Máscaras. E o Judas, neste ano, prestava uma homenagem ao Tufão,
personagem de sucesso interpretado pelo ator Murilo Benício, na novela “Avenida
Brasil”. “Não vão ficar com a má sorte do Tufão, com a cabeça toda enfeitada”,
brinquei com um deles, que conheço desde criança. “Não, que nada! A minha
Carminha é fiel, não é igual à da novela”, retrucou Alan Nonato, um dos que
trabalhava no boneco, que tinha uma namorada chama Carmem. Só uma coincidência!
Num
casebre no fundo do quintal, numa mesinha de madeira, o banquete: charque
assado, farinha de mandioca torradinha e, claro, a tradicional batida de
gengibre, a “gengibirra”, bem geladinha, irresistível. O Junior, o “Molecão”,
fez a clássica intimação. “Sim, meu primo, vocês não vão molhar a palavra, vão
fazer essa desfeita com a gente?”. O japonês me olhou com uma cara de susto,
pois não bebe. Respondi: “Vamos, mas o japa aí vai só provar, pois não bebe
álcool”. Peguei o copo na frente, para tentar animar o Matsunaga. Dei uma
virada no copo – gengibirra deliciosa, por sinal. O japonês deu aquele sorriso
amarelo (como ele), virou o copo e até gostou, pois tomou um gole generoso. Só
que o oriental começou a mudar de cor, de amarelo para vermelho, já que a
gengibirra aumenta a pressão e naquele dia ainda fazia um calor de rachar.
Já teve mulher na festa, sim!
“Vamos
para a base”, convidei o Japa. No caminho para a casa onde estávamos
hospedados, ele volta a inquirir: “Mas não pode ir mulher na festa mesmo?”. “Elas
não podem dançar o baile, mas ficam olhando do lado de fora do barraco, onde a
festa acontece”. Já na casa de dona Joaquina Jacarandá, a dona “Joca”, uma senhora
de 60 anos, ela nos explica que no dia do Baile de Máscaras, a tradição manda
que não seja feita nenhuma outra festa. “Teve uma vez, há muito tempo, que uma
família que foi realizar uma festa de aniversário no dia do Baile de Máscaras.
Aí, os mascarados invadiram a acabaram com a festa, deu muita confusão. Mas,
desde então, a noite de 24 de julho é só dos máscaras”, relata.
A
história da mulher não participar da festa ficou remoendo na cabeça do
fotógrafo japona. Depois de um café da tarde, com direito a café com leite, pão
com queijo e presunto e um beiju fresquinho, fomos sentar em uma das cadeiras,
enfileiradas no pátio. Lá, estava o dono da casa, o marido de dona Joca, seu
José da Conceição, ou seu “Zé Cardinho”.
Um senhor respeitável, já de cabelos grisalhos, denunciando seus mais de 60 anos
de idade. O Matsunaga dispara de primeira: “Seu Zé, nunca nenhuma mulher tentou
brincar no Baile de Máscaras?”. Seu Zé deu aquela risada sarcástica, com um ar
de lembrança. Para que o japa enfim esquecesse do assunto, pedi: “Comandante
Zé, conte ao meu amigo japonês a história da Fátima!”.
Seu José
começa a lembrar: “Certa vez, a Fátima Aleluia, uma amiga nossa, tomou umas
violentas no dia do Baile de Máscaras. Resolveu se fantasiar e ir à festa. Como
a fantasia estava bem feita, calças de homem, botas, mangas cumpridas e
máscara, ninguém desconfiou. Mas, foi na hora de urinar, no alojamento, que foi
descoberta. Foi expulsa da festa a pontapés pelo João Pedro, já falecido. Foi
repreendida pela comunidade e até pelo padre. Dizem que foi a partir daí, que
nenhuma outra mulher tentou brincar o baile”, lembrou seu Zé Cardinho.
À noite,
por volta de meia-noite, fomos fotografar o baile. Ainda tenho a capacidade de
ficar encantando com aquelas fantasias, apesar de conhecer a festa desde
criança. Muita música, bebida e animação, para aguentar até o sol raiar. Claro,
muitos cliques do Matsunaga, também. E o tempo foi passando, deu três da matina
e tínhamos que nos retirar, pois cedo ainda teríamos que registrar a missa
campal e o círio, logo pela manhã.
Antes de
irmos, fizemos questão de visitar o alojamento dos máscaras, o que nos foi concedido
apenas com a câmera fotográfica desligada. Ao entramos, alguns já estavam
dormindo embriagados, para acordar dali a alguns minutos e voltar para o
barraco. Mas a cena que nos chamou a atenção: a roupa do boneco do Judas estava
sendo trocada e ele estava com uma calcinha vermelha de renda... Pode, Freud?
Bom dia Gian, me passa seu email. Preciso falar com você.
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